sexta-feira, 25 de março de 2016

Educação domiciliar e negação de direitos fundamentais.

[1]Silvailde de S. M. Rocha

A Educação Domiciliar no Brasil ainda é considerada um campo ocioso de publicações doutrinárias e jurisprudências. Certamente pela ausência de legislação neste setor. Todavia, ainda que não esteja contemplada na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais, ela é fato. Trata-se de um tema inclusivo que carece de impulso na atualidade e requer atenção governamental, pois o direito ao reconhecimento da identidade das crianças educadas nesta modalidade se encontra negado, face à ausência de lei específica.  

Neste ensaio, farei uma análise da educação domiciliar face ao artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/1996, lei destinada ao disciplinamento da educação escolar. Nesta lei, não se sabe se propositalmente ou não, o legislador deixou implícito a possibilidade de ampliação do conceito de educação para além da categoria formal, o artigo 2º é o primeiro deles, vejamos:

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (grifos meus)

Há basicamente três linhas de análise no artigo: o dever da educação, seus pressupostos e finalidades. Se a educação é dever da família e do Estado, quais são exatamente os deveres de cada um? Quem faz o quê? No artigo 6º a lei especifica que “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade”.

Matricular os filhos é a única atribuição exclusiva dos pais estabelecida na lei. Convenhamos que se trata de um dever muito aquém, uma vez que os pais são os progenitores de maior importância na vida de uma criança. O dever se amplia, em relação à instituição privada. Perante ela os pais assinam um contrato, verificam o regimento escolar e se comprometem a acompanhar os filhos no decorrer do ano letivo. Já no caso da escola pública não há nenhum mecanismo que possa formatar o acompanhamento escolar dos filhos na escola. O Projeto Político Pedagógico é apenas um instrumento norteador das práticas escolares, todavia ele não tem alcance maior na divisão de responsabilidades com os pais enquanto partícipes do funcionamento da estrutura escolar.

Esta observação se faz importante ao analisar a educação domiciliar em relação à educação estatal. Nesta, embora a educação seja obrigatória, não há como assegurar a efetividade dos resultados nem sua qualidade, pois tais dependem da coletividade e nem todas as famílias compreendem a importância do acompanhamento da formação dos filhos. Por outro lado, a educação domiciliar avança, tanto em relação à responsabilidade pela provisão com qualidade, como na organização, acompanhamento e resultados, pois os pais assumem espontânea e individualmente a formação integral e educacional dos filhos.

O art.2º também destaca em que se inspira a educação. Se o princípio da liberdade no qual o legislador se ampara for inspirado naqueles conceitos definidos pelas sociedades ocidentais avançadas por meio dos seus principais pensadores, tais como em Jonh Locke, ela se pauta na razão. É esta racionalidade que orienta a liberdade de escolha pela modalidade de educação domiciliar. Sendo os filhos menores em idade, a responsabilidades pela escolha do modelo de educação recai sobre os pais.

Em Locke, a liberdade de escolha pressupõe a liberdade individual que se entrelaça à propriedade privada, instituto protegido pelo Estado de direito. Tal escolha não incorre em prejuízo de alguém, de outro indivíduo ou quem quer que seja. Logo, uma liberdade individual que ocasiona prejuízo a outrem não pode ser definida como liberdade. No caso concreto da educação domiciliar, não se percebe qualquer prejuízo, a terceiros. Há percepção da relevância da educação na sua profundidade.

Educação domiciliar não pretende se posicionar acima da lei ou estar à margem dela. Ainda, para fazer jus a Jonh Locke, ao afirmar que “onde não há lei, não há liberdade”, busca-se o reconhecimento e o acompanhamento das instituições governamentais para o devido cumprimento legal.


Em Jonh Rawls, o teórico da justiça como uma questão de equidade, as liberdades básicas do indivíduo são pontos fundamentais, garantias mínimas para o funcionamento da sociedade, ou seja, para o filósofo, liberdade e justiça devem caminhar na mesma direção.   
O outro princípio no qual a educação se ampara no artigo 2º da LDB é o da solidariedade humana. Este princípio é visto como fator juridicamente relevante. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem pautado suas decisões no entendimento de que a solidariedade corresponde a uma questão de caráter coletivo e não meramente individual, todavia voltada para o atendimento aos desamparados e a garantia do bem estar social. Educação Domiciliar, pelo seu caráter histórico se encontra à margem e requer que aqueles que estão sob as condições desta modalidade de ensino tenham reconhecidos o seu potencial ainda que fora do sistema afim de que a dignidade humana seja afirmada.

E, em suma, a finalidade para a qual se destina a educação segundo o art. 2º da LDB 9.394/1996 visa o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ou seja, educação domiciliar se preocupa com o cumprimento destas finalidades, o que a torna uma modalidade de ensino adequada e conveniente ao sistema educacional brasileiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LOCKE, Jonh. Segundo tratado sobre o governo civil, trad. Magda Lopes e Marisa lobo da Costa. – 4.ed.- Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco; Petrópolis: Vozes, 2006.
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9.394/1996. Brasilia-DF.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, trad. Almiro Pisetta e Lenira M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.






[1] Mestre em Políticas Educacionais (UNB); Pedagoga; Consultora do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação/RJ 

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