[1]Silvailde
de S. M. Rocha
A Educação
Domiciliar no Brasil ainda é considerada um campo ocioso de publicações doutrinárias
e jurisprudências. Certamente pela ausência de legislação neste setor. Todavia,
ainda que não esteja contemplada na Constituição Federal e nas leis
infraconstitucionais, ela é fato. Trata-se de um tema inclusivo que carece de
impulso na atualidade e requer atenção governamental, pois o direito ao
reconhecimento da identidade das crianças educadas nesta modalidade se encontra
negado, face à ausência de lei específica.
Neste
ensaio, farei uma análise da educação domiciliar face ao artigo 2º da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação 9.394/1996, lei destinada ao disciplinamento da
educação escolar. Nesta lei, não se sabe se propositalmente ou não, o
legislador deixou implícito a possibilidade de ampliação do conceito de
educação para além da categoria formal, o artigo 2º é o primeiro deles, vejamos:
Art. 2º. A educação,
dever da família e do Estado inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. (grifos meus)
Há
basicamente três linhas de análise no artigo: o dever da educação, seus
pressupostos e finalidades. Se a educação é dever da família e do Estado, quais
são exatamente os deveres de cada um? Quem faz o quê? No artigo 6º a lei
especifica que “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças
na educação básica a partir dos quatro anos de idade”.
Matricular
os filhos é a única atribuição exclusiva dos pais estabelecida na lei. Convenhamos
que se trata de um dever muito aquém, uma vez que os pais são os progenitores
de maior importância na vida de uma criança. O dever se amplia, em relação à
instituição privada. Perante ela os pais assinam um contrato, verificam o
regimento escolar e se comprometem a acompanhar os filhos no decorrer do ano
letivo. Já no caso da escola pública não há nenhum mecanismo que possa formatar
o acompanhamento escolar dos filhos na escola. O Projeto Político Pedagógico é
apenas um instrumento norteador das práticas escolares, todavia ele não tem
alcance maior na divisão de responsabilidades com os pais enquanto partícipes do
funcionamento da estrutura escolar.
Esta
observação se faz importante ao analisar a educação domiciliar em relação à
educação estatal. Nesta, embora a educação seja obrigatória, não há como
assegurar a efetividade dos resultados nem sua qualidade, pois tais dependem da
coletividade e nem todas as famílias compreendem a importância do
acompanhamento da formação dos filhos. Por outro lado, a educação domiciliar avança,
tanto em relação à responsabilidade pela provisão com qualidade, como na
organização, acompanhamento e resultados, pois os pais assumem espontânea e individualmente
a formação integral e educacional dos filhos.
O art.2º
também destaca em que se inspira a educação. Se o princípio da liberdade no
qual o legislador se ampara for inspirado naqueles conceitos definidos pelas
sociedades ocidentais avançadas por meio dos seus principais pensadores, tais
como em Jonh Locke, ela se pauta na razão. É esta racionalidade que orienta a
liberdade de escolha pela modalidade de educação domiciliar. Sendo os filhos menores
em idade, a responsabilidades pela escolha do modelo de educação recai sobre os
pais.
Em
Locke, a liberdade de escolha pressupõe a liberdade individual que se entrelaça
à propriedade privada, instituto protegido pelo Estado de direito. Tal escolha
não incorre em prejuízo de alguém, de outro indivíduo ou quem quer que seja. Logo,
uma liberdade individual que ocasiona prejuízo a outrem não pode ser definida
como liberdade. No caso concreto da educação domiciliar, não se percebe
qualquer prejuízo, a terceiros. Há percepção da relevância da educação na sua
profundidade.
Educação
domiciliar não pretende se posicionar acima da lei ou estar à margem dela. Ainda,
para fazer jus a Jonh Locke, ao afirmar que “onde não há lei, não há liberdade”,
busca-se o reconhecimento e o acompanhamento das instituições governamentais
para o devido cumprimento legal.
Em Jonh
Rawls, o teórico da justiça como uma questão de equidade, as liberdades básicas
do indivíduo são pontos fundamentais, garantias mínimas para o funcionamento da
sociedade, ou seja, para o filósofo, liberdade e justiça devem caminhar na
mesma direção.
O
outro princípio no qual a educação se ampara no artigo 2º da LDB é o da solidariedade
humana. Este princípio é visto como fator juridicamente relevante. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem pautado suas decisões no entendimento
de que a solidariedade corresponde a uma questão de caráter coletivo e não
meramente individual, todavia voltada para o atendimento aos desamparados e a
garantia do bem estar social. Educação Domiciliar, pelo seu caráter histórico
se encontra à margem e requer que aqueles que estão sob as condições desta modalidade
de ensino tenham reconhecidos o seu potencial ainda que fora do sistema afim de
que a dignidade humana seja afirmada.
E,
em suma, a finalidade para a qual se destina a educação segundo o art. 2º da
LDB 9.394/1996 visa o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ou seja, educação
domiciliar se preocupa com o cumprimento destas finalidades, o que a torna uma
modalidade de ensino adequada e conveniente ao sistema educacional brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOCKE, Jonh. Segundo tratado sobre o governo civil,
trad. Magda Lopes e Marisa lobo da Costa. – 4.ed.- Bragança Paulista: Editora Universitária
São Francisco; Petrópolis: Vozes, 2006.
LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL 9.394/1996.
Brasilia-DF.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça, trad.
Almiro Pisetta e Lenira M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[1]
Mestre em Políticas Educacionais (UNB); Pedagoga; Consultora do Instituto de Pesquisas
Avançadas em Educação/RJ